LGBT+

Veja como foi, até agora, o julgamento sobre a criminalização da LGBTfobia no Brasil

Imagem: David McNew/Getty Images

 

POR Rosanne D’Agostino e Luiz Felipe Barbieri, G1 — Brasília

Na última quarta (13), o Supremo Tribunal Federal começou o julgamento que pedem a criminalização da LGBTfobia. Nas duas ações em julgamento, PPS (Partido Popular Socialista) e Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) pedem a criminalização de todas as formas de ofensas, individuais e coletivas, homicídios, agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima.

As ações apontam a demora e omissão do Congresso em legislar sobre o tema e pedem ao STF que declare que o Congresso foi omisso e enquadre as condutas como crime de racismo, até que o Legislativo se pronuncie sobre o tema.

Na primeira sessão, as primeiras falas foram feitas pelos ministros Celso de Mello e Edson Fachin, onde fizeram a leitura dos relatórios (resumo dos pedidos das ações).

Em seguida, advogados começaram a sustentar suas posições na tribuna. Ao todo, nove se inscreveram.

  • PPS e ABGLT – Primeiro a falar, Paulo Iotti, autor das ações do PPS (Partido Popular Socialista) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), citou vários casos de violência contra a população LGBTI e defendeu que cabe ao Supremo garantir proteção aos direitos desse grupo. “A Constituição exige a criminalização do racismo, da violência doméstica, para quê? Para proteger os grupos raciais minoritários, a mulher. Então, entendendo-se que a Constituição exige a criminalização da homotransfobia, ela o faz para proteger a população LGBTI em seus direitos fundamentais”, afirmou.
  • Advocacia Geral da União (AGU) – Em seguida, André Luiz de Almeida Mendonça, advogado-geral da União, afirmou que as ações não devem ser aceitas. Segundo ele, isso não significa legitimar condutas que ofendam a liberdade sexual ou identidade de gênero. Mas a AGU entende que não há omissão do Congresso em legislar sobre esse tema e que cabe exclusivamente ao Legislativo essa tarefa. “Desse modo, ainda que, em tese, a criminalização possa ser considerada legítima, segundo os parâmetros constitucionais, não é obrigatória”, afirmou. Segundo Mendonça, também não há demora, porque há debates atualmente no Congresso sobre o combate à homofobia.
  • Senado – O advogado-geral do Senado, Fernando Cesar Cunha, disse que há projeto de lei sobre o tema em discussão e negou que haja omissão do Senado. Segundo ele, a homofobia já é punida por meio do Código Penal e o que se busca é um aperfeiçoamento da lei em vigor. “Não há que se falar em omissão.”
  • Grupo Gay da Bahia – Tiago Gomes Viana, representando o Grupo Gay da Bahia, afirmou que há um “discurso demagógico” e que até agora a população LGBTI tem obtido avanços de direitos apenas via Executivo e Judiciário. “Até torcedor tem uma legislação para chamar de sua, o que é louvável, mas para pessoas LGBTI, não há uma legislação especifica nesse Congresso Nacional”, disse.
  • Frente Parlamentar “Mista” da Família e Apoio à Vida – Cícero Gomes Lage, representante da frente, defendeu o direito de qualquer cidadão de se expressar em qualquer lugar que esteja e afirmou que os gays não são hostilizados no Brasil. “Os homossexuais, gays, LGBTs convivem harmonicamente na sociedade. Desfilam nas capitais do país, tocando bumbo, ofendendo quem quer que seja, principalmente a Jesus Cristo, e nem por isso são atacados como se disse aqui. Não tem nada disso”, disse.
  • Grupo Dignidade – Ananda Hadah Rodrigues, do Grupo Dignidade, disse que as iniciativas legislativas em favor dos LGBTIs são enterradas em gavetas. Ela também afirmou que a criminalização da homofobia não cerceia a liberdade religiosa. “Evangélicos sofrem sim preconceito, mas não morrem. Nós morremos.”
  • Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) – Luigi Mateus Braga, representante da entidade, argumentou que há textos religiosos que podem ser considerados discriminatórios. “Nós sabemos o que diz a Bíblia com relação ao homossexual”, afirmou. Segundo o advogado, é possível harmonizar os interesses. “Ninguém está sustentando abuso. O que nós não queremos é correr o risco de ser punidos por uma questão, por um fato social”, declarou.
  • Associação Nacional e Travestis e Transsexuais – Maria Eduarda Aguiar da Silva, da Associação Nacional e Travestis e Transsexuais, disse que há uma “banalidade” das agressões a homossexuais e transexuais. “A banalidade não é só o assassinato. A banalidade ela também o preconceito, a injúria, os xingamentos cotidianos”, disse. “Esta Suprema Corte não pode permitir que a injúria, o assassinato, a agressão de pessoas LGBTI continue sendo naturalizada e no limbo penal, sem reconhecimento desses crimes específicos. Não há óbice nenhum de interpretar como forma de racismo”, concluiu.
  • Procuradoria Geral da República – Luciano Mariz Maia, vice-procurador-geral da República, citou 420 mortes de pessoas que se afirmam gays e lésbicas para defender que estão morrendo “por quem elas são”. “Nós sabemos o estigma, a marca indelével que as pessoas carregam pelo fato de serem categorizadas, rotuladas em razão da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero”, disse. Segundo Maia, há uma cultura da violência contra homossexuais no Brasil. Ele também defendeu que projetos de lei sobre criminalização da homofobia precisam ser enviados para sanção, e não somente serem debatidos no Congresso. Ele afirmou ainda que é possível ao STF seguir um entendimento “que exija da sociedade superação do preconceito e a solução pacífica das controvérsias”.

Após as manifestações dos advogados, a primeira sessão foi encerrada e foi retomada a quinta (14), com o voto do ministro Celso de Mello. No entanto, o voto do ministro Celso de Mello não foi finalizado. Como o voto tem 72 páginas, não houve tempo para concluir a leitura. A retomada do julgamento foi marcada para a próxima quarta (20), com a continuação do voto de Celso.

Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

‘Preconceito, discriminação e exclusão’

Celso de Mello defendeu proteção aos grupos vulneráveis e criticou o que chamou de “inércia” do Congresso na aprovação de leis nesse sentido.

“Preconceito, discriminação, exclusão e até mesmo punições das mais atrozes, eis o extenso e cruel itinerário que tem sido historicamente percorrido pela comunidade LGBT, lamentavelmente exposta a atos de violências por impulsos transfóbicos”, afirmou.

O ministro afirmou ainda que o esforço do Congresso de instaurar o debate em torno da questão é “respeitável”, mas “revela-se inquestionável a ausência conspícua de qualquer providência efetiva no sentido de superar a situação de inequívoca e irrazoável inércia”.

“O fato irrecusável é um só: o desprestígio da Constituição”, completou.

O relator disse também que “determinados grupos” políticos e sociais, motivados por “profundo preconceito”, têm estimulado “desprezo” e disseminando ódio contra a comunidade LGBT, buscando embaraçar o debate público e reduzindo a população LGBT a uma condição “subalterna”.

Para o relator, “se impõe proclamar agora, mais do que nunca, que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser provado de direitos”.

Segundo Celso de Mello, ninguém deve sofrer restrições por orientação sexual ou em razão da identidade de gênero.

O ministro criticou, ainda, ações de “caráter segregacionista”, afirmando que há uma visão de mundo fundada na ideia “artificialmente construída” de que as diferenças biológicas entre homem e mulher devem determinar papéis sociais como “meninos vestem azul, e meninas vestem rosa”.

O ministro não fez referência a um caso específico, mas a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, chegou a afirmar em um vídeo que uma nova “era” começou no Brasil, com meninos vestindo azul e meninas, rosa.

“Essa concepção de mundo impõe notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial héteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática”, afirmou Celso de Mello.

Celso de Mello afirmou que essa concepção impõe aos LGBTI valores que, “além de conflitar com sua própria vocação afetiva, erótico-afetiva, conduz à frustração de seus projetos pessoais de vida”.

Ações ‘segregacionistas’

Para Celso de Mello, a situação piora diante de ações de caráter “segregacionista”. O ministro ressaltou que essas ações estas “impregnadas de inequívoca decoração homofóbica ou transfóbica” e visam a limitar, quando não a suprimir, “prerrogativas essenciais de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros, transexuais, entre outros”.

“Em razão deste voto e da minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias que compõem os denominados grupos vulneráveis, serei inevitavelmente mantido no índex dos cultores da intolerância”, completou.

Para o relator, são “mentes sombrias” que rejeitam o pensamento crítico; “repudiam” o direito ao dissenso; “ignoram” o sentido democrático da alteridade e do pluralismo de ideias; e “desconhecem” a importância do “convívio harmonioso e respeitoso” entre visões de mundo antagônicas.

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